Crime organizado e internet impulsionam venda e uso de agrotóxicos ilegais no Brasil
Fonte: TV Cultura Foto: Lenito Abreu/Governo do Tocantins |
Ofertas de insumos irregulares e
proibidos no país são facilmente encontradas em redes sociais e marketplaces.
Estima-se que 25% dos agrotóxicos que circulam no Brasil sejam irregulares.Nos
últimos anos, a preocupação com o uso de agrotóxicos no Brasil ganhou maior
destaque, acompanhada de um avanço na aplicação destes produtos de forma
irregular no país. Com a facilidade das vendas online, os agrotóxicos ilegais,
muitas vezes contrabandeado de países vizinhos, encontraram terreno fértil para
ampliar sua presença no campo.
As estimativas do setor são de
que 25% dos agrotóxicos que circulam no Brasil sejam irregulares. Em 2023, a
Polícia Federal apreendeu 575 toneladas destes produtos, quase 180% mais que em
2022. Em 2023, o Ministério da Agricultura apreendeu 422,9 toneladas e a
Polícia Rodoviária Federal (PRF) 195,7 toneladas.
Na maioria das vezes, os insumos
são apreendidos em rodovias ou em fiscalizações em propriedades rurais. O
mercado ilegal é composto por uma cadeia dividida em contrabando, roubo de
cargas, falsificação de produtos e desvio de finalidade na utilização de
princípios ativos importados.
A atração para os compradores
está especialmente nos preços, pois esses insumos de origem ilegal tendem a ser
mais baratos que as opções regulamentadas. Observadores apontam que a alta do
dólar nos últimos anos, ao tornar os produtos legalizados mais caros,
impulsionou a demanda no mercado paralelo.
Além disso, há substâncias que
são permitidas em países vizinhos, mas não no território brasileiro, como no
caso do paraquat, proibido no país desde 2020 devido aos riscos para a saúde,
que vão desde câncer à doença de Alzheimer. Na União Europeia, a substância é
banida desde 2007. O Paraguai é uma das portas de entrada do insumo proibido no
Brasil. Importante de países como China e Índia, o paraquat é vendido
legalmente no Paraguai. Depois, a substância ingressa por via terrestre no
Brasil, com destaque para o Paraná.
Crime organizado
O grande mercado chamou a atenção
do crime organizado. Recentemente, a Operação Mafiusi da Polícia Federal
destacou os agrotóxicos entre os produtos comercializados pelo Primeiro Comando
da Capital (PCC), assim como drogas e cigarros, além de outras atividades mais
tradicionais para o crime.
"Não importa tanto o
produto, são quadrilhas especializadas em logística", afirma Luciano
Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social
de Fronteiras (Idesf). Em sua visão, a possibilidade de transportar diferentes
mercadorias, muitas vezes no mesmo veículo, propicia a ascensão do crime
organizado, que vai se apropriando das rotas no país.
Barros lembra que, além do uso de
produtos inadequados para a produção nacional, há riscos no descarte das
substâncias tóxicas ilegais. No caso de produtos regulamentados, a ampla
maioria das embalagens segue rigorosos padrões sanitários. No caso irregular,
segundo ele, diante da falta de fiscalização e impossibilidade de usar os
descartes legais, os recipientes são enterrados ou queimados, o que causa ainda
maiores danos ambientais e potencialmente à saúde da população local.
Legislação só no papel
Para muitos produtores, as
práticas no campo são bem distantes das regulamentações e permissões dos
organismos de controle. Eric Gustavo Cardin, professor de Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), conversou com uma série de
agricultores na região nos últimos anos, e afirma que há um perfil que chega a
"dar risadas" das mudanças de legislações referentes à questão.
De acordo com Cardin, aqueles com
maior capacidade de investimento costumam ter mais cuidados com eventuais
transgressões, no entanto, há outros que veem no uso de substâncias ilegais uma
forma de aumentar a rentabilidade de seus negócios. "Agrotóxicos são
caros, se alguém pode ter uma diminuição do custo com relação a esta
mercadoria, muitas vezes opta por essa alternativa."
Nestes casos, muitos pedem os
insumos ilegais pela internet. "Muitos conhecem os vendedores no Paraguai,
sendo comum o envio cruzando a fronteira", aponta. "Especialmente na
região de fronteira no oeste do Paraná, é algo muito comum."
Facilidade online
Em outras regiões do Brasil, a
facilidade que marketplaces oferecem para o envio de agrotóxicos irregulares
cumpre papel "significativo" na expansão do mercado, avalia Barros.
Em sites especializados do setor, produtos como o paraquat são oferecidos para
entrega em todo o país, algo que também ocorre em comunidades do Facebook que
contam com dezenas de milhares de seguidores.
Questionada sobre o tema, a Meta,
empresa que controla a rede social, enviou um link para a política de produtos
e serviços restritos da plataforma. Após a companhia ser notificada sobre os
anúncios, alguns não estavam mais disponíveis. Nestes casos, deveria haver maior
atuação das plataformas, aponta Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional
Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCPI). "Existem condições para isso,
como o controle com algoritmos. Sabemos que há ferramentas disponíveis",
avalia.
Segundo ele, nos últimos anos,
houve movimentos distintos entre as empresas do setor, com alguns marketplaces
aderindo mais ao controle de conteúdo do que outros. Para Vismona, o Brasil é
tratado como um "mercado marginal" por certas companhias que não são
originárias do país, o que favorece a oferta de produtos proibidos no
território nacional.
Frequentemente, plataformas
alegam não poder exercer censura prévia, e pedem que violações sejam
denunciadas pelos próprios usuários para a retirada de conteúdos. Para Vismona,
este movimento "delega para as vítimas o controle, sendo que são as
empresas que detém o poder". Além disso, ele argumenta que a questão se
trata do Código de Defesa do Consumidor, não de liberdade de expressão.
Legislação comum e acordo com UE
Uma proposta frequente de
envolvidos no tema é a de que o Mercosul adote uma legislação comum sobre
substâncias permitidas no bloco, similar a que está em vigor na União Europeia
(UE). Desta forma, as disparidades que permitem a circulação legal de produtos
como o paraquat no Paraguai seria eliminada, o que, em tese, facilitaria o
controle.
Barros vê a possibilidade com
ceticismo, apontando que uma paridade nas legislações teve pouco avanço em
instâncias como o Parlasul, o parlamento do Mercosul. Cardin lembra ainda que a
capacidade de execução interna no bloco é reduzida, com aprovações de temas por
consenso sendo difíceis, especialmente em momentos de divergências políticas
entre os países.
No entanto, ele observa que o
fechamento de um acordo com a UE poderia ser um "fator novo" para
exercer pressão sobre o tema. Segundo Cardin, o Paraguai se encontra em uma
posição "confortável", mas uma maior cobrança internacional para que
o país adotasse legislações mais restritivas em conformidade com regras em
vigor no exterior poderia ser um caminho para mudanças.
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