Reflorestamento em áreas privadas ajuda a preservar Mata Atlântica
Fonte: Agência Brasil Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil |
Em 2020, o sítio de Mário Honorio
Teixeira Filho em Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro, ficou sem água. A
propriedade já havia sido usada para plantação de mandioca e inhame. Quando
adquiriu as terras, Honório quis realizar o sonho de criar gado, transformando
o local em pasto. Localizada em uma área originalmente de Mata Atlântica, sem a
vegetação nativa, e com cada vez menos árvores, a fonte não resistiu e secou.
Esse foi o alerta necessário para que Honório cedesse à
pressão do filho, Mário Bruno Teixeira, de reflorestar ao menos parte do
terreno. Em menos de um ano, com a nova vegetação, a água voltou.
“A gente não está plantando árvore. A gente está plantando
água, na verdade. É disso que a gente precisa”, diz Leonardo de Mattos, que
mora no sítio. Leonardo e Bruno produzem juntos, na propriedade, a Pi Kombucha
Tropical, bebida fermentada feita a partir de chá, vendida na cidade do Rio de
Janeiro e em São Paulo. “Esses dias avistamos um tamanduá. Nunca imaginamos que
fossemos ver um animal desses por aqui”, conta.
Após a morte do pai, o sítio passou a ser administrado por
Bruno, que expandiu a área de reflorestamento. Com 1 hectare, o equivalente a
um campo de futebol oficial, em um ano, a água já voltou a brotar do solo.
Agora, o reflorestamento está chegando a mais 3,8 hectares. “O ar está mais
puro, os animais estão voltando, a gente está vendo muito pássaro voltando, o
que a gente não tinha dez anos atrás. É uma alegria muito grande”, diz
Leonardo.
O reflorestamento do sítio foi feito como parte do projeto
Guapiaçu, realizado pelo Ação Socioambiental (Asa) em parceria da Petrobras. O
desafio do projeto é reflorestar propriedades privadas, como a de Bruno,
mostrando aos produtores e proprietários que ter uma área de floresta, melhora
tanto a qualidade da produção quanto a qualidade de vida local e de todo o
entorno.
Propriedades privadas e a Mata Atlântica
A Mata Atlântica é o bioma brasileiro com maior número de espécies de plantas e animais ameaçados de
extinção no país. O bioma está distribuído em 17 estados
(Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe).
Cerca de 70% da população brasileira vive em áreas de Mata
Atlântica. Mas, isso pode passar desapercebido porque segundo o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), 71,6% foi desmatada. Segundo a Fundação
SOS Mata Atlântica, quase 80% das áreas remanescentes do bioma estão em propriedades
privadas.
“O nosso trabalho de mobilização de áreas é feito com dos
proprietários da região. Nós visitamos, insistimos, conversamos. Temos muito
tempo de cadeira, tomando cafezinho com os proprietários”, diz a presidente do
Ação Socioambiental e Coordenadora executiva do Projeto Guapiaçu, Gabriela
Viana.
Segundo Viana, os benefícios são muitos. “A gente tá aqui,
na sombra, ali do lado tem sol, ninguém quer ficar no sol. A gente está
usufruindo dessa sombra porque é um serviço do ecossistema. É o primeiro que a
gente sente. Quando a gente entra na floresta, fora a quantidade e a qualidade
da água e a biodiversidade. É um valor que nem todo mundo percebe ou consegue
tangibilizar o que a gente tem de biodiversidade principalmente na Mata
Atlântica”.
De acordo com Viana, nos últimos seis anos, o projeto
visitou mais de um mil propriedades em Cachoeiras de Macacu, onde atua. A
equipe foi recebida em apenas 200 delas e 16 de fato aceitaram a parceria. Ao
todo, até o momento, foram plantadas mais de 500 mil mudas em 300 hectares.
Os proprietários cedem o terreno e o projeto se encarrega de
todo o plantio, selecionando espécies nativas da Mata Atlântica – atendendo
também aos pedidos dos produtores, caso desejem alguma espécie específica,
desde que estejam na lista da flora local. Também realiza a manutenção,
cuidando para que as árvores consigam se estabelecer, e a floresta seja capaz
de se manter por conta própria. O custo é R$ 60 mil a R$ 90 mil por hectare,
que ficam a cargo do projeto Guapiaçu.
Corredores de floresta
As ações em Cachoeiras de Macacu têm uma especificidade, lá
está o Parque Estadual dos Três Picos, o maior parque estadual e também local
de preservação da Mata Atlântica – que se estende também por Nova Friburgo,
Teresópolis, Guapimirim e Silva Jardim. É na porção de Cachoeiras de Macacu que
estão dois terços das florestas e 60% das águas do parque.
O município é conhecido pelo potencial hídrico. Próximo
dali, na Serra dos Órgãos, a cerca de 1,7 mil metros de altitude, nasce o rio
Macacu, que é o principal rio que desagua na Baía de Guanabara, no estado do
Rio de Janeiro. A bacia hidrográfica do rio Guapi-Macacu – formada pela união
do rio Macacu com o rio Guapimirim - é responsável pelo abastecimento de água
de cerca de 2 milhões de pessoas nos munícipios de Cachoeiras de Macacu,
Guapimirim, Itaboraí, São Gonçalo e Niterói.
Segundo o Projeto Guapiaçu, reflorestar propriedades que
estão às margens do parque, como a de Bruno, aumenta a área de floresta. Ao
invés de se criar ilhas de reflorestamento em áreas afastadas umas das outras,
cria-se um corredor de floresta, unindo áreas de preservação e áreas de
reflorestamento, permitindo que os animais e também as plantas tenham mais
espaço para se estabelecer. O mesmo ocorre quando diversas propriedades
vizinhas optam pelo reflorestamento.
“Quando você faz justamente essas conexões entre os
fragmentos [de floresta] você permite que esses animais circulem, permite o
fluxo gênico, permite que a genética ali aconteça em uma variabilidade maior.
Você tem um maior número de animais que estão se reproduzido entre si, não são
ilhas isoladas, né? Por isso que ter diversas propriedades que façam essa
adequação ambiental é muito interessante, porque ganha todo mundo”, explica a
coordenadora operacional do Projeto Guapiaçu, Tatiana Horta.
De acordo com Gabriela Viana, em Cachoeiras de Macacu, 99%
das propriedades são pequenas propriedades e apenas cerca de dez fazendas são
consideradas grandes, com mais de um mil hectares. Mesmo pequenas áreas, como a
de Bruno, podem fazer a diferença. Um hectare replantado, foi suficiente, por
exemplo, para que a fonte voltasse a jorrar. O projeto acompanha o
reflorestamento por três anos, tempo geralmente suficiente para a floresta se
estabelecer. Em 20 anos, já é possível ter uma floresta com uma animais, com
fauna e flora recompostas.
“Eu acho que plantar uma árvore é um ato muito generoso”,
diz Viana. “Eu plantei um jequitibá com as cinzas do meu avô e eu, muito provavelmente,
não vou sentar embaixo desse jequitibá para usufruir da sombra, mas eu vou
deixar o jequitibá para os meus filhos e meus netos”.
Diante da crise climática, perguntado se acredita que ainda
dá tempo de salvar os seres humanos, e as florestas, Viana afirma: “Eu acredito
que dá tempo”.
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