Entenda a decisão do STF que permitiu servidores públicos CLT e sem estabilidade
Fonte: G1 Foto: Gustavo Moreno/STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia seis de novembro, que é válida a mudança na Constituição que alterou o regime de trabalho para os servidores públicos, concluindo o julgamento de uma ação que já tramitava há mais de 24 anos.
A decisão tem potencial de
promover mudanças no modelo de atuação do funcionalismo para o futuro, mas não
acaba com os concursos públicos, nem encerra totalmente a possibilidade de
estabilidade. O entendimento da Corte também não atinge quem já está no serviço
público atualmente.
Nesta reportagem, o Alto Taquari em pauta com g1 vai explicar os efeitos da decisão.
O que é regime jurídico único?
O que o Congresso Nacional mudou
em relação ao regime jurídico único?
O que foi discutido pelo Supremo?
O que o tribunal decidiu?
O que esteve em vigor nos 24 anos
de tramitação do processo?
Para quem vai valer a decisão?
Como será implantada a mudança?
O que acontece com os concursos
públicos?
O que acontece com a
estabilidade?
O que é o regime jurídico único
(RJU)?
O regime jurídico único (RJU) é
um conjunto de regras que organiza o trabalho dos servidores públicos – trata
de seus direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e penalidades.
Regula, na prática, a relação entre a Administração Pública e os servidores.
A Constituição de 1988 passou a
prever a obrigação de um único regime de pessoal para o serviço público da
União, estados, Distrito Federal e municípios. A mesma regra também vale para
autarquias e fundações públicas.
A ideia era evitar que servidores
– muitas vezes com as mesmas atividades – tivessem regimes de trabalho
diferentes, como já aconteceu na história brasileira antes da Carta Magna.
Antes de 88, havia situações de
carreiras regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a lei usada
para regular os trabalhadores da iniciativa privada, e carreiras com leis
específicas (os chamados estatutos próprios.) Dessas diferenças vieram as
expressões "servidores celetistas" e "servidores
estatutários".
A Constituição padronizou o tratamento à questão, obrigando que a Administração Pública tivesse apenas um regime jurídico para a relação com seus servidores. Estas instituições implantaram, então, o regime estatutário, ou seja, aquele em que a relação entre governos e servidores obedece a uma lei específica, um Estatuto.
No âmbito federal, a União usa a
Lei 8.112, de 1990, o Estatuto do Servidor Público. Estados e municípios podem
criar suas próprias leis.
Servidores estatutários entram na
carreira pública por meio de concurso público. Além disso, adquirem
estabilidade depois de três anos de atividade. A estabilidade significa que a
perda do cargo ocorre somente como punição em processo administrativo
disciplinar, a partir de decisão judicial definitiva, ou como medida para o
controle de desequilíbrio nas contas públicas.
Os trabalhadores das empresas
estatais não estão neste grupo para quem o RJU é obrigatório – eles são regidos
pela Consolidação das Leis do Trabalho. Assim, instituições como a Caixa
Econômica Federal, o Banco do Brasil, Correios e Petrobras têm os chamados
empregados públicos. Estes funcionários ingressam na carreira por concurso, mas
não têm estabilidade.
O que o Congresso Nacional mudou
em relação ao regime jurídico único?
Em 1998, o Congresso Nacional
analisou a proposta de reforma administrativa apresentada pelo governo Fernando
Henrique Cardoso. Entre outros pontos, o texto retirava da Constituição a
obrigação de um único regime de trabalho para os servidores.
Assim, uma vez em vigor, a
Administração Pública federal, estadual e municipal poderia escolher os seus
regimes de pessoal, a depender de suas necessidades. Na prática, poderiam
voltar a conviver, por exemplo, servidores no regime estatutário (com
estabilidade) e servidores regidos pela CLT (sem estabilidade).
A emenda foi aprovada e passou a
valer no mesmo ano.
O que foi discutido pelo Supremo?
No ano 2000, PT, PDT, PCdoB e PSB
questionaram, no Supremo, pontos da reforma administrativa do governo FHC.
Entre eles, a determinação do fim do regime jurídico único.
As siglas contestaram a forma
como o Congresso aprovou a mudança na Constituição. Para o grupo, houve
irregularidade no processo legislativo, já que o texto da emenda não teria sido
aprovado em dois turnos pela Câmara e pelo Senado.
Em 2007, a Corte suspendeu a
aplicação da regra, até uma decisão definitiva sobre o caso. Com isso, a
flexibilização caiu e a obrigação do regime jurídico único voltou a vigorar.
O que o tribunal decidiu?
Agora, em 2024, o Supremo
concluiu o julgamento do mérito da ação, ou seja, o questionamento sobre a
validade da mudança feita pelos parlamentares.
O tribunal entendeu que o
processo de mudança na Constituição foi regular. Por 8 a 3, os ministros
concluíram que não houve violação ao processo legislativo. Prevaleceu o voto do
ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques,
Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias
Toffoli.
A relatora, Cármen Lúcia, e os
ministros Edson Fachin e Luiz Fux consideraram que a medida era
inconstitucional.
O que esteve em vigor nos 24 anos
de tramitação do processo?
Entre 1998 e 2007, a
flexibilização do regime de trabalho dos servidores foi aplicada, já que ela
teve aval do Congresso. Até então, o Supremo ainda não tinha se pronunciado
sobre o tema.
Em 2007, a Corte julgou o pedido
de suspensão da regra. Os ministros atenderam à solicitação, tornando a medida
sem efeito até um pronunciamento definitivo do tribunal.
Esta decisão foi mantida até o
julgamento da última quarta-feira, em que o plenário analisou a validade da
mudança constitucional e deliberou sobre a questão.
Entre 1998 e 2007, com a vigência
da flexibilização, estados e municípios chegaram a implantar regimes de pessoal
no serviço público com o uso da CLT. Ou seja, contrataram servidores que não
contavam com a estabilidade.
Para quem vai valer a decisão?
O Supremo deixou claro que a
decisão que validou a flexibilização do modelo de atividade dos servidores vai
valer para o futuro.
Assim, servidores que já estão na
carreira não sofrerão impactos – no funcionalismo federal, por exemplo,
continuam regidos pela Lei 8.112, mantêm a estabilidade, seguem um regime
próprio de Previdência.
A determinação pode ter efeitos para quem entrar no serviço público a partir da decisão da Corte.
Como será implantada a mudança?
A modificação nas regras de
atuação, mesmo para os novos servidores, não é automática.
Para que a mudança no regime de
trabalho de qualquer categoria ocorra, será preciso alterar as leis que
estabelecem a regulamentação das categorias. Estas normas devem passar a prever
a aplicação do regime estatutário ou a mudança para a CLT.
Modificações em leis só podem
acontecer com votação no Poder Legislativo e sanção do Poder Executivo.
O que acontece com os concursos
públicos?
A decisão do Supremo não alterou
a exigência do concurso público para ingresso na carreira. Assim, esta forma de
seleção de pessoal vai permanecer válida.
A Constituição prevê o concurso
como regra, e isso é aplicado mesmo para os casos dos atuais empregados
públicos – os trabalhadores das estatais. Apesar de não terem estabilidade,
eles são contratados após processo seletivo, que pode envolver provas e
apresentação de títulos acadêmicos.
O que acontece com a
estabilidade?
A decisão também não representa o
fim da estabilidade.
Caberá aos governos federal,
estaduais e municipais decidirem qual modelo de trabalho mais adequado para
cada área.
Nas chamadas carreiras de Estado – aquelas que realizam trabalho que não tem correspondência na iniciativa privada – a perspectiva é de que se mantenha o regime estatutário (com estabilidade).
A alteração para o regime CLT (na
prática, o fim da estabilidade) pode ocorrer nas atividades que não são
exclusivas do serviço público, mas isso vai depender de aprovação da lei dos
planos de carreira.
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