Por que escolas particulares no Brasil têm mau desempenho internacional
Fonte: Tv Cultura |
Resultado de escolas particulares no Brasil ficou abaixo da
média internacional na última edição do Pisa. Especialistas listam fatores para
entender a questão. Muitas famílias brasileiras buscam em escolas particulares
um caminho para garantir melhor oportunidade de educação para seus filhos, mas
nem sempre essa alternativa é uma garantia de aprendizado. Avaliações
internacionais recentes confirmaram que o desempenho escolar geral do país está
abaixo da média não somente no sistema público, mas também no privado.
Os números da edição mais recente do Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (Pisa) mostraram que, embora o Brasil tenha
conseguido passar pela pandemia sem piorar suas notas em matemática, leitura e
ciências, os alunos brasileiros ficaram estagnados em níveis bastante
insuficientes de aprendizado e bem abaixo da média internacional.
A avaliação realizada em 2022 indicou um desempenho abaixo
da média em todos os recortes de renda: nem mesmo os alunos mais ricos ou as
escolas particulares alcançaram a média da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Será que isso significa pagar pela educação – sacrifício e
meta para tantas famílias brasileiras que buscam mobilidade social – não é
garantia de qualidade? A DW consultou especialistas e listou cinco fatores que
ajudam a entender a questão.
1. O que o Pisa mostra sobre as escolas particulares
Realizado de três em três anos com estudantes na faixa dos
15 anos em 81 países membros e parceiros da OCDE, o Pisa traça um painel mundial
da aprendizagem de estudantes na educação básica. Na edição de 2022, o foco foi
em matemática.
O objetivo é avaliar se, aos 15 anos de idade, próximos do
fim da escolaridade obrigatória em muitos países, os estudantes já aprenderam o
suficiente para serem cidadãos plenos.
No Brasil, 10.798 alunos de 599 escolas passaram pela
avaliação; destes, 1437 (ou 14,2%) eram de escolas privadas. A maioria dos
participantes brasileiros representados no Pisa 2022 era da rede pública:
estadual, (73,1%), seguida de municipais (10,3%) e federais (2,5%).
Enquanto a média geral de pontos do Brasil foi de 379 em
matemática, 93 pontos abaixo da média da OCDE de 472, as escolas particulares
fizeram 456 pontos. Melhores que a média do país, mas ainda abaixo da
internacional.
Nem os alunos mais ricos no Brasil alcançaram a média da
OCDE em matemática. Foram piores que estudantes de perfil parecido em países
como Turquia e Vietnã, que fizeram mais de 500 pontos.
2. Pandemia atrapalhou
As escolas particulares detêm uma fatia relativamente
pequena da educação básica no Brasil. Das 47,3 milhões de matrículas
registradas em 2023, 9,4 milhões (19,9%) eram no sistema privado. No ensino
médio, as particulares representam 13%.
A baixa representatividade talvez ajude a explicar a escassez
de trabalhos acadêmicos sobre a qualidade do ensino privado: a grande maioria
das pesquisas se refere ao ensino público.
O pesquisador Ocimar Munhoz Alavarse, doutor em educação
pela Universidade de São Paulo (USP), é exceção: há décadas dedica-se a interpretar
as estatísticas de avaliações de ensino, como o Pisa e o Sistema de Avaliação
da Educação Básica (Saeb), para compreender o que está além das médias de
indicadores.
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação
Educacional da Faculdade de Educação da USP, Alavarse diz que o atual Pisa
reflete os alunos fora da escola na pandemia. "Impactou todo mundo, mas as
escolas privadas continuam tendo resultado, nas médias, superiores."
Nem as famílias de classes média e alta, diz o professor, estavam
prontas para a educação remota. "Muitas também não tinham em suas casas
dois, três computadores, quando o pai e mãe também trabalhavam em casa",
diz, pontuando que, obviamente, a situação era mais grave para as famílias de
baixa renda.
As escolas também estavam despreparadas. "Uma coisa é
recorrer eventualmente a esses recursos [tecnológicos]; outra coisa é
transferir algo que há 200 anos se faz, que é o ensino presencial, para o
computador", afirma Alavarse.
A estrutura do Pisa permite comparar alunos do mesmo nível
socioeconômico de vários países. Segundo a OCDE, o status socioeconômico foi
responsável por 15% da variação no desempenho em matemática no Pisa 2022 no
Brasil, mesmo nível da OCDE.
"Todas as pesquisas reafirmam: quanto maior o nível
socioeconômico do aluno, maior tende a ser o desempenho", diz Alavarse.
Escolas de bairros de alta renda, por exemplo, tendem naturalmente a ter
desempenho melhor do que territórios de vulnerabilidade social.
Não por mérito, mas por injustiça social. Os alunos com
melhores condições já partem do início da "corrida" com vantagens: o
nível de escolarização da mãe, o engajamento da família nos estudos, os livros
e estímulos que a criança tem em casa, as condições de alimentação, saúde: tudo
o que colabora ou atrapalha o aluno nos estudos, por exemplo.
4. Escolas particulares são bem diferentes entre si
Diferentemente do que pode supor o senso comum, não dá para
tratar todas as escolas particulares como um mesmo grupo. "Uma coisa são
as escolas de elite das principais capitais, que custam R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$
15 mil por mês. E existem escolas que chamamos de escola de bairro, que atende
um público entre C e D, e elas acabam ficando num limbo", explica a
pedagoga e mestre em educação Beatriz Cortese, diretora do Cenpec, organização
sem fins lucrativos que promove equidade e qualidade na educação pública.
"Pou um lado, elas não seguem a regulação e o cuidado
das escolas públicas, que o governo acompanha, e por outro não têm a mesma
estrutura das particulares", acrescenta Cortese.
Pedro Flexa, diretor da Federação Nacional das Escolas
Particulares (Fenep), diz que "de fato os resultados do Pisa atestam que
fatores extraescolares têm grande peso". Ele destaca, no entanto, o
impacto positivo que as escolas particulares podem ter para famílias mais
pobres, contribuindo para a sociedade.
José Antonio Figueiredo Antiório, presidente do Sindicato
dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo, diz que há muitas
escolas de mensalidade muito baixas que não são sequer regularizadas. "Um
problema muito sério que estamos tentando resolver", ressalta.
5. Muitos alunos aprendem menos
Mesmo que a "foto" do ensino particular seja mais
bonita, não significa que a maioria dos alunos aprendam. Alavarse cita dados do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para mostrar que, embora as
escolas privadas tenham em média um resultado melhor que as públicas, há uma
grande parcela de alunos que saem da escola despreparados.
Ele cita o Saeb 2021, que mostra que, entre alunos do 9º ano
avaliados em matemática, 50% não aprenderam o que era esperado. Na mesma
comparação, nas escolas municipais esse percentual era de 87%, segundo o
especialista.
"Moral da história: se eu olhar para resultados [do
Pisa e Saeb], sim: os resultados são superiores do que das escolas públicas.
Mas também tem uma quantidade gigantesca, metade dos alunos, que não atinge o
que seria esperado", diz.
Comparando ao padrão europeu almejado no Pisa, ele estima
que a média das escolas privadas do Brasil equivaleria à média dos níveis
socioeconômicos mais baixos da OCDE. Mas é fato que, para o topo dos alunos de
melhor desempenho, o padrão é melhor. "Tem uma pequena parcela dos alunos
da escola privada que têm desempenho parecido com o da Suíça", afirma o
professor da USP.
Embora diga que o conceito de qualidade da escola pode
variar de acordo com a família – uns querem desempenho no Enem, outros mais
habilidades emocionais, por exemplo –, Alavarse alerta que, a depender da
escola e dos sonhos de cada um, muitas podem não estar obtendo o que é esperado
ao pagar a mensalidade.
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