Linha Direta de volta: De onde vem o fascínio por 'true crime', que atravessa gerações?
Fonte: G1 Foto: Reprodução
Entre calafrios e fascínio, o
programa "Linha Direta" causou pesadelos em muita gente entre os anos
1990 e 2000. A partir de amanhã, dia 4 de maio, ele volta à Globo para assustar uma
nova geração.
Com Pedro Bial no comando, a
atração ganhará uma versão reformulada, mas ainda marcada pelo gênero
"true crime", um fenômeno de audiência da TV no mundo todo. Há
décadas, especialistas discutem o que atrai tanto o público em histórias de
crimes reais.
No formato que estreou em 1990, o
Linha Direta combinava reportagens, entrevistas e simulações pra contar a
história de casos policiais que tiveram destaque no Brasil. Essas são as
principais características do "true crime". Essas produções não são
apenas baseadas na realidade: elas trazem detalhes mais precisos sobre os
crimes, o passo a passo das investigações e a reconstrução dos fatos.
O "true crime" está na
TV, no cinema, no jornalismo, na literatura, entre outros formatos. E ele é
muito mais antigo do que algumas pessoas pensam. Nos anos 60, o escritor Truman
Capote já se tornava referência nesse estilo de narrar histórias, com o livro
“A sangue frio”, sobre o assassinato de uma família no Meio-Oeste americano.
Nos últimos anos, produções desse
tipo se multiplicaram na TV, sempre com audiência fiel. Para citar apenas
alguns exemplos:
- "Making a murderer": sobre investigação de um caso de agressão sexual e tentativa de homicídio, que nunca foi totalmente esclarecido;
- "Caso Evandro": série derivada de um podcast, sobre o desaparecimento de um menino no Paraná, durante os anos 90;
- "Pacto brutal": sobre o assassinato da atriz Daniella Perez;
- "Em nome de Deus": sobre as acusações de abuso sexual contra João de Deus.
Instinto de sobrevivência
Especialistas acreditam que o
desejo de assistir à violência de uma distância segura é intrínseco ao ser
humano. E, de certa forma, pode até ser saudável.
Isso porque, segundo estudiosos,
um dos motivos que atraem tantas pessoas para o "true crime" é um
certo instinto de sobrevivência.
Em um artigo do Jornal da
Universidade de São Paulo (USP), o doutor em psicologia André Komatsu explicou
que muitas pessoas têm interesse em ver, nessas histórias, como vítimas
conseguiram escapar de pessoas violentas ou situações de perigo.
“Tem gente que está ali para ver
estratégias de sobrevivência que possam ser úteis em uma situação extremamente
improvável de acontecer na vida pessoal da maior parte das pessoas.”
Outra possibilidade é o desejo de
entender e aprender a identificar as características da personalidade de um
criminoso. “Tem vários interesses, desde pessoas que estão buscando identificar
características da personalidade do criminoso até pessoas em busca da justiça
social para ver qual foi o fim desse criminoso."
Um indício forte disso: um estudo
de 2010, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, mostrou que as
mulheres são mais atraídas pelo "true crime" do que os homens.
Segundo a pesquisa, elas tendem a escolher histórias com vítimas femininas,
principalmente as que mostram como as mulheres conseguiram escapar da
violência.
Narrativa tranquilizadora
Algumas outras razões também
ajudam a explicar o sucesso de audiência desse gênero. Á revista americana
"Psychology Today", especializada em psicologia, a psiquiatra Jean
Kim explica que muitas dessas histórias têm o que ela chama de “fórmula
narrativa tranquilizadora”.
Há uma vítima passando por uma
situação que qualquer pessoa poderia passar; um quebra-cabeça instigante na
investigação; e, por fim, a esperança de que um criminoso terrível seja
capturado e condenado -- quando isso acontece, vem a sensação de alívio e
encerramento.
Essa fórmula se relaciona com
dois outros fatores citados pela psiquiatra: o desejo humano natural de
“brincar de detetive” e a a clareza sobre o nosso senso moral na tensão entre o
bem o mal.
Ao torcer para que as vítimas se
salvem e os criminosos sejam condenados, as pessoas entram em contato com sua
nossa própria humanidade e capacidade de empatia. Não é muito diferente do que
as faz torcer para os mocinhos e odiar os vilões em histórias de ficção, que
não têm ligação com a realidade.
Por fim, há um outro motivo
apontado por especialistas, que é mais controverso e não inspira tanta empatia
assim. Segundo Jean Kim, em alguns casos, esse tipo de história dá um lembrete
de sorte pra quem assiste, e faz a pessoa se sentir grata pela própria vida.
É como se, ao assistir a um caso
trágico, o espectador reparasse que as situações de sofrimento que ela mesma
passa não são tão ruins assim…
Nenhum comentário
Política de moderação de comentários:
A legislação brasileira prevê a possibilidade de se responsabilizar o blogueiro pelo conteúdo do blog, inclusive quanto a comentários; portanto, o autor deste blog reserva a si o direito de não publicar comentários que firam a lei, a ética ou quaisquer outros princípios da boa convivência. Não serão aceitos comentários anônimos ou que envolvam crimes de calúnia, ofensa, falsidade ideológica, multiplicidade de nomes para um mesmo IP ou invasão de privacidade pessoal / familiar a qualquer pessoa. Comentários sobre assuntos que não são tratados aqui também poderão ser suprimidos, bem como comentários com links. Este é um espaço público e coletivo e merece ser mantido limpo para o bem-estar de todos nós.