Como o veto europeu a produtos ligados ao desmatamento pode afetar a soja e a carne bovina do Brasil
AGRO
Fonte: G1 Foto:Ricardo Moraes/Reuters
A notícia de que a União Europeia (UE) vai proibir as importações de produtos de áreas que foram desmatadas depois de dezembro de 2020 não surpreendeu especialistas consultados pelo g1, mas levantou preocupações sobre as exportações de soja e de carne do Brasil.
O acordo ainda precisa ser aprovado formalmente e, após a
sua publicação, alguns artigos serão implementados somente em 2024 – o bloco
não especificou quais são.
A medida vale para qualquer país e inclui a comercialização
de gado, soja, cacau, café, dendê, soja, madeira, couro, chocolate e móveis.
Dos biomas que a lei contempla, estão inclusos a Amazônia e parte do Cerrado.
Especialistas consultados pelo g1 afirmam que:
- Dos produtos contemplados, a soja e a carne bovina são os que mais atingem o Brasil, pois, além de estarem historicamente associados ao desmatamento, são dois dos principais produtos que o país vende para os europeus;
- A União Europeia não detalhou como irá fazer o monitoramento e se as ferramentas de rastreabilidade já utilizadas pelo Brasil serão consideradas pelo bloco;
- Na criação de gado, o Brasil ainda não consegue rastrear os fornecedores indiretos, ou seja, criadores que vendem bezerros e boi magro para serem engordados em fazendas que estão em dia com a lei. As exigências dos europeus podem aumentar o preço da carne bovina no mercado externo;
- O Brasil já monitora o desmatamento na produção de soja na Amazônia, mas precisa estender essa prática para o Cerrado, bioma que está incluso na nova legislação;
- O país tem outras ferramentas de rastreabilidade que podem ser usadas, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que faz um Raio X das propriedades rurais;
- A União Europeia não detalhou se também não irá permitir produtos com origem no desmatamento legal.
Desmatamento legal ou ilegal?
Um dos pontos do projeto que gera preocupação é ele ter uma
definição abrangente de desmatamento, aponta Leonardo Munhoz, pesquisador do
Centro de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No documento, o termo
inclui as degradações ocorridas devido ao "excesso de atividades
agropecuárias" e não fala de desmatamento legal e ilegal.
Para a equipe de Munhoz, isso mostra que os europeus não
querem proibir o comércio apenas com produtos de origem de desmatamento ilegal,
mas também do desflorestamento como um todo, inclusive o legal.
As negociações com o Brasil poderiam ser afetadas na medida
em que há produtores que trabalham a partir do desmatamento legal - portanto
estão dentro da legislação nacional, mas estariam impedidos pela nova regra.
O que é o desmatamento legal: No Brasil, é considerado
desmatamento legal aquele que ocorre com autorização dos órgãos competentes e
fora de áreas destinadas à preservação, devolutas ou de domínio público.
Futuro da soja ainda é misterioso
Dentre os produtos da soja, o farelo é a mercadoria mais
importante no comércio entre o Brasil e a União Europeia, diz Luiz Fernando
Gutierrez Roque, especialista em soja da consultoria Safras & Mercado.
A nova legislação pode ter impacto sobre essa exportação,
mas fica difícil mensurar o tamanho dele enquanto a UE não especificar como a
lei vai funcionar, diz Roque.
Em nota à imprensa, o Parlamento Europeu cita algumas formas
de rastreabilidade que poderão ser utilizadas, como coordenadas de
geolocalização, monitoramento por satélite e análise de DNA.
Como o Brasil monitora a soja
No caso da soja, o Brasil já consegue rastrear a produção do
grão na Amazônia por meio de imagens de satélite, uma iniciativa de ONGs e das
próprias associações do setor, implementada em 2006, que ficou conhecida como
“Moratória da Soja”.
Para Roque, no entanto, será preciso estender essa
iniciativa para o Cerrado, um dos principais biomas onde a soja é produzida e
que é contemplado pela nova lei europeia.
“No passado, já houve estudos e discussões sobre uma
moratória do Cerrado, mas há um tempinho eles não vêm avançando. Pode até ser
que essas conversas voltem com o acordo”, diz.
Procurada pelo g1, a Associação Brasileira das Indústrias de
Óleos Vegetais (Abiove) disse que aguarda o texto final do acordo para se
pronunciar.
A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja
Brasil) afirmou que não irá comentar o assunto.
E como a legislação europeia pode impactar a carne bovina
brasileira?
Na comparação com a soja, a carne bovina tem uma menor
representatividade na pauta de exportação do Brasil: do total que o país vendeu
em 2021, por exemplo, 6% foi para a União Europeia (UE), segundo dados da
plataforma Agrostat, do Ministério da Agricultura.
As exportações de carne bovina brasileira para a União
Europeia podem ter uma redução em função da nova legislação, diz o consultor do
Safras & Mercado Fernando Iglesias.
“Porém, o grande problema é que a Europa não tem grandes
alternativas de fornecimento de carne bovina para substituir o Brasil”, diz.
“Os grandes exportadores de carne bovina são os Estados
Unidos, Brasil, Austrália, Argentina e Uruguai. A grande questão é que,
enquanto o Brasil está em um momento de expansão do rebanho, os nossos grandes
concorrentes, incluindo a União Europeia, estão passando por um processo de
encolhimento”, destaca.
Para ele, os grandes frigoríficos brasileiros não têm
problemas em se adequar às regras do jogo, “desde que sejam bem remunerados por
isso”. “Ou seja, esse tipo de carne, provavelmente, será negociado a preços
mais altos”, acrescenta.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de
Carnes (Abiec) disse que avalia a medida e que, por enquanto, não irá se
manifestar.
A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) não
respondeu aos pedidos de comentários do g1.
Como o Brasil monitora a carne bovina
A principal iniciativa do setor é o programa Carne Legal,
resultado de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), firmado em 2013 entre os
grandes frigoríficos brasileiros e o Ministério Público Federal (MPF).
Contudo, a iniciativa é restrita à Amazônia e só consegue
monitorar o desmatamento na criação de gado em fazendas de fornecedores
diretos, ou seja, em propriedades que vendem o boi direto para os frigoríficos.
A rastreabilidade ainda não alcança os indiretos, criadores
que vendem bezerros e boi magro para serem engordados em outras fazendas.
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