Brasil| USP investiga agente cancerígeno presente em carnes bem passadas
Com informações Revista Exame
Presente
na fumaça do cigarro, de escapamentos automotivos, da queima de madeira e em
carnes excessivamente grelhadas na brasa ou defumadas, o benzopireno é um
potente agente cancerígeno pertencente à classe dos hidrocarbonetos
policíclicos aromáticos (HPAs).
Entender
os vários mecanismos pelos quais essa substância pode induzir a transformação
maligna em células humanas é o objetivo de um projeto de pesquisa apoiado pela
FAPESP e coordenado pela professora Ana Paula de Melo Loureiro na Faculdade de
Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo (USP).
Resultados
preliminares foram divulgados em agosto passado durante o V Symposium on
Epigenetics and Medical Epigenomics, realizado em São Paulo.
Segundo
a pesquisadora, o objetivo é identificar as vias celulares, isto é, as
sequências de reações biológicas, envolvidas no desenvolvimento do câncer e,
assim, encontrar possíveis alvos para a prevenção ou tratamento da doença.
“Testes
mostraram que a suplementação das culturas celulares com nicotinamida ribosídeo,
um dos componentes da vitamina B3, protegeu as células e impediu a
transformação maligna. Agora pretendemos entender por quais mecanismos isso
acontece e se esse composto pode ser usado na quimioprevenção”, contou
Loureiro.
Parte
do projeto foi desenvolvida por Tiago Franco de Oliveira, bolsista FAPESP de
pós-doutorado. A fase atual, envolvendo a suplementação com nicotinamida
ribosídeo, constitui o projeto de doutorado de Everson Willian Fialho Cordeiro,
também com bolsa FAPESP.
Metodologia
Os
experimentos estão sendo realizados com células normais do pulmão – mais
precisamente do epitélio brônquico. Essas células são incubadas com o
benzopireno durante uma semana. Por ser esta uma substância de rápida absorção
e biotransformação, contou a pesquisadora, precisa ser reposta diariamente nas
culturas.
No
final do período de incubação, as células são transferidas para um meio
semissólido contendo agarose, um polissacarídeo obtido de algas, com a
finalidade de impedir a adesão à placa de cultura.
“Já
se sabe que uma célula epitelial normal não consegue crescer nesse meio
semissólido, sem ancoragem. Para que isso seja possível, é necessário que
alguns genes e proteínas tenham a sua expressão alterada no sentido de
favorecer o desenvolvimento tumoral, como, por exemplo, o silenciamento da
expressão de caderinas [moléculas de adesão dependentes do cálcio que permitem
a ligação entre células vizinhas]”, explicou a pesquisadora.
Tal
transformação foi observada em culturas expostas às concentrações de 0,5 e 1
micromolar (μM) de benzopireno que cresceram ao longo de sete dias. As células
expostas a 0,1 μM não cresceram no meio de ágar. Segundo Loureiro, é possível
que concentrações mais baixas do carcinógeno induzam a transformação celular
após períodos mais longos de exposição.
Análises
durante o período de incubação revelaram a ocorrência de alterações no DNA –
tanto genéticas (lesões capazes de originar mutações na sequência de
nucleotídeos) quanto epigenéticas (aumento dos níveis de 5-metilcitosina, o que
altera a expressão de genes). As células que cresceram no meio semissólido
apresentaram hipometilação global (diminuição dos níveis de 5-metilcitosina),
uma característica de células tumorais.
Dados
recentes da literatura científica sugerem que o surgimento de tumores está
fortemente associado a alterações genéticas como também a alterações
epigenéticas, que podem, por exemplo, ativar a expressão de genes pró-tumorais
ou silenciar genes protetores.
O
que mais chamou a atenção dos cientistas, porém, foi uma queda significativa
dos níveis de metabólitos envolvidos na produção de energia para a célula logo
após a primeira hora de exposição ao benzopireno. Ao longo do período de
exposição, houve uma readaptação metabólica das células e, ao final, os níveis dos
metabólitos estavam aumentados nas células expostas em comparação ao
grupo-controle.
“Foi
por essa razão que tivemos a ideia de suplementar as culturas com nicotinamida
ribosídeo – uma molécula precursora do dinucleotídeo nicotinamida-adenina
[NAD+], que é essencial para o metabolismo celular e para a produção de ATP
[adenosina trifosfato, molécula que armazena energia para a célula]”, explicou.
A
suplementação com nicotinamida ribosídeo (1 μM) começou 24 horas antes da
exposição ao benzopireno e, a partir daí, foi renovada diariamente juntamente
com o benzopireno. Os demais procedimentos foram semelhantes ao do teste
anterior.
Ao
final, as células expostas ao carcinógeno e suplementadas com nicotinamida
ribosídeo não se mostraram capazes de crescer no meio de ágar – apresentando
comportamento semelhante ao das células-controle (não expostas ao benzopireno).
“Sabemos
que as células tumorais têm o metabolismo alterado, projetado para o
crescimento. Agora pretendemos investigar de que modo a suplementação com
nicotinamida ribosídeo protegeu contra a transformação de células que estavam
em contato com uma substância conhecidamente carcinogênica”, disse Loureiro.
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