Comentários preconceituosos contra nordestinos na web podem ser punidos
Assim que o resultado das eleições presidenciais foi
divulgado, às 20h de ontem (26), os comentários sobre a participação dos
votos do Nordeste na vitória da candidata do PT, Dilma Rousseff,
começaram a surgir nas redes sociais. Segundo o diretor-presidente da
organização não governamental (ONG) SaferNet Brasil, Thiago Tavares, as
páginas na internet e nas redes sociais que têm violações aos direitos
humanos serão investigadas e seus autores poderão ser punidos. Tavares
explica que, assim como quem cria, quem compartilha um conteúdo de ódio e
preconceito também pode ser responsabilizado criminalmente.
Tavares, que é professor de direito da informática da Universidade
Católica de Salvador, disse hoje (25) que, desde ontem, a ONG recebeu
421 denúncias referentes a 305 novas páginas nas redes sociais,
especialmente no Twitter e no Facebook, com o objetivo de promover o
ódio e a discriminação contra a população de origem nordestina.
“Lamentavelmente, tudo indica que hoje essas manifestações devem
continuar crescendo e ao longo desta semana também”, disse o professor.
As denúncias feitas após a divulgação do resultado do segundo turno
são 342,03% maiores em relação àquelas recebidas no dia 5 de outubro, do
primeiro turno das eleições. E, segundo Tavares, 662,5% maiores em
relação às no dia 26 de outubro de 2013, fora do contexto eleitoral.
Tavares diz que as pessoas precisam valorizar a diversidade e respeitar
os direitos humanos. “Mas, diante de uma campanha tão polarizada e tão
radicalizada, é difícil muitas vezes conter o ímpeto de alguns usuários
que resolvem descarregar nas redes sociais as suas frustrações e todo
seu preconceito em relação à população nordestina”, disse.
Para Tavares, o mais preocupante é que existem usuários que não são
tipicamente criminosos, mas compartilham mensagens de ódio que muitas
vezes são postadas “por grupos de extrema direita, de orientação
neonazista, inclusive, que se sentem legitimados, fortalecidos e
encorajados em momentos como este e encontram nesses eleitores
inconformados uma espécie de instrumento para propagar esse tipo de
mensagem de ódio e desestabilizar o país”.
A ONG foi criada em 2005 com foco na defesa dos direitos humanos na
internet e é operada em parceria com a Polícia Federal e o Ministério
Público Federal. As denúncias podem ser feitas de forma anônima na
página da SaferNet, apenas copiando o link da página que tem a violação.
A Lei 7.716, de 1989, pune, com pena que pode chegar a cinco anos de
reclusão, aquele que utiliza os meios de comunicação social, como a
internet, para promover o ódio e a discriminação em razão da raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
Para o professor do Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília, Sadi Dal Rosso, algumas pessoas acusam os nordestinos de votar
apenas por causa de algum benefício financeiro que recebam do governo,
sem se preocupar com o projeto social como um todo. “O governo agora tem
esse papel de dialogar, há um laço comum no país, até porque a Dilma
[Rousseff] teve votos de Norte a Sul. Não há desunião no país, mas
questões ideológicas que debatemos quando o ‘sangue sobe à cabeça’;
ações concretas para elevar as condições de vida da população são
importantes, políticas reais e afirmativas para diluir essas questões”,
disse o sociólogo.
Para Dal Rosso seria problemático se surgissem movimentos de rua
truculentos, como alguns que atuaram nas manifestações de junho de 2013,
mas ele diz que já viu um usuário pedindo desculpas nas redes sociais
por ter usado “expressões muito duras”, reconhecendo os exageros, o que,
para ele, indica que o clima pode estar esfriando.
Segundo Thiago Tavares, da SaferNet, há dois exemplos emblemáticos de
crime de ódio na internet. “Nas eleições de 2010, a estudante de
direito da Universidade Mackenzie, Mayara Petruso, de 21 anos, declarou
no Twitter, logo que saiu o resultado, que os usuários da rede deveriam
fazer um favor a São Paulo e matar um nordestino afogado. Em razão dessa
mensagem, ela foi condenada pela Justiça Federal, perdeu o estágio,
teve que prestar serviço comunitário, pagar multa, o que gerou um
transtorno para a vida dela”, contou.
O outro caso aconteceu nas eleições deste ano. Segundo Tavares, uma
auditora do Trabalho da Bahia foi indiciada por usar as redes sociais
para pregar a violência física e o ódio contra nordestinos. “Os casos
estão começando a chegar ao Judiciário e ele tem se pronunciado no
sentido de condenar as pessoas que tem usado a internet para essa
finalidade”, completou.
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