"Pense duas vezes." Essa é a principal mensagem que o surfista
sul-africano Shaun Tomson tenta transmitir em suas palestras
motivacionais direcionadas a jovens. "Pense duas vezes" é o que ele
gostaria de ter dito ao filho, Mathew, em 2006, antes que o adolescente
de 15 anos tomasse a fatal decisão de praticar a "brincadeira do
desmaio", como tem sido chamada pelos adolescentes a prática da
interrupção voluntária de oxigênio ao cérebro, com o objetivo de
provocar desmaio, vertigens e sensação de euforia. A prática não é nova,
mas tem preocupado pais, professores e médicos por conta de sua
disseminação pelas redes sociais.
Assim como o sul-africano
Tomson, a norte-americana Judy Rogg também tem se dedicado a
conscientizar adolescentes e suas famílias a respeito dos perigos dessa
prática desde a morte do filho, Erik, em 2010. No site Erik's Cause (em inglês), ela publica pesquisas e orientações sobre o tema e mantém uma lista de outros grupos engajados na mesma causa.
Ao fazer um bloqueio da respiração por alguns segundos, pressionando o
peito ou o pescoço, os jovens buscam desafiar a morte e experimentar
estados alterados de consciência. "A queda da oxigenação do cérebro leva
a espasmos musculares, dormência dos membros, tontura, vertigens e
desmaio. Quando há retorno da oxigenação, tem-se a sensação de euforia,
semelhante à obtida com o uso de drogas ilícitas", afirma Filumena
Gomes, pediatra no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
(Universidade de São Paulo).
Mas, assim como ocorreu com
Mathew, sempre existe o risco de o adolescente não voltar do desmaio
induzido. "A falta de oxigênio pode levar a lesões graves, como paradas
cardiorrespiratórias, convulsões e provocar a morte. A repetição dessa
prática pode, ainda, causar uma lesão cerebral irreparável, com
paralisia motora e perda de certas habilidades neurológicas", diz
Filumena. Problemas de memória e atenção também são consequências
possíveis da "brincadeira".
A neuropediatra Alessandra Freitas
Russo, mestre pela Faculdade de Medicina da USP e doutoranda em
psicologia, salienta que o cérebro humano é extremamente dependente de
glicose e oxigênio. Por isso, qualquer privação pode ser muito
prejudicial.
"Algum mal sempre fará. Mas é difícil prever a extensão, pois isso
depende da sensibilidade de cada um", fala Alessandra. O acidente fatal
pode ocorrer mesmo com adolescentes saudáveis.
Viciados em perigo
Casos de mortes de adolescentes que se envolveram nessa "brincadeira"
já foram registrados em vários países. Segundo o Centro de Controle e
Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, entre os anos de 1995 e 2007,
pelo menos, 82 crianças e adolescentes, com idades entre seis e 19 anos,
morreram no país por causa da prática, que é conhecida como "choking
game" ou jogo do choque, em tradução livre.
Na França, desde
2000, existe uma associação de pais de vítimas de acidentes por
estrangulamento, a APEAS (sigla do nome em francês, Association de
Parents d'Enfants Accidentés par Strangulation), que registra uma média
de dez mortes por ano. A associação hospeda-se no site Jeu du Foulard,
cuja tradução é "jogo do lenço", pois a prática mais popular naquele
país consiste em um estrangulamento com o uso de um laço em torno do
pescoço.
No Brasil, não existem estatísticas de mortes de
adolescentes por asfixia, mas a Sociedade de Pediatria do Rio Grande do
Sul já divulgou um artigo alertando para os riscos da prática. Além dos
danos da hipóxia (diminuição da oxigenação) no cérebro, a entidade chama
a atenção para a possibilidade de hematomas e traumatismo craniano, por
causa da queda do jovem ao desmaiar, e para o risco de dependência da
sensação de euforia que ocorre no momento pós-desmaio. Essa dependência
pode ocorrer por causa da liberação de neurotransmissores que causam uma
sensação de prazer e cujo processo químico está associado à
experimentação de emoções fortes.
"A prática desse comportamento
de risco pelos jovens tende a ser de repetição", declara a pediatra
Filumena, referindo-se a um relatório emitido, em 2012, pelo Crime
Victims' Institute. Segundo o instituto de pesquisa, vinculado ao Sam
Houston State University, dos Estados Unidos, 72% dos adolescentes
praticaram o arriscado jogo mais de uma vez, o que multiplica as chances
de um acidente grave.
"Por isso, ao terem notícia de que uma criança ou jovem está se
submetendo a esse risco, pais e professores devem dar assistência.
Muitas vezes, será necessário acompanhá-lo em atendimento psicológico",
afirma a especialista.
Para a psicóloga Vera Zimmermann,
coordenadora do Centro de Referência da Infância e Adolescência da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é comum no adolescente a
necessidade de medir limites. "Diante das mudanças pela qual está
passando, saindo da infância e se dirigindo à vida adulta, é importante
para o jovem provar quem é e do que é capaz. A sociedade, hoje, tem
poucos rituais de passagem e, para desenvolver a autoestima, ele precisa
de situações que lhe darão a certeza de sua capacidade", diz Vera.
A família e a escola também podem ajudar, buscando a adesão do
adolescente em projetos nos quais ele possa provar suas capacidades,
estabelecer conquistas e cultivar ideais. A pediatra Filumena Gomes
destaca que a conduta perigosa, geralmente, está associada a outros
problemas comportamentais, como dificuldade de controlar os impulsos,
conflito com pais e escola, sexo desprotegido e consumo de drogas.
"Temos de identificar as crianças sob risco e realizar intervenções o
mais rapidamente possível. Elas devem ser monitoradas de uma forma
amigável, sem recriminações, por pais e professores".
Fonte: IG