“Quem de vocês aqui gosta do Bolsa Família levanta a mão?”, brada ao
microfone, do alto de um palanque improvisado, o senador Lobão Filho,
candidato do PMDB ao governo do Maranhão, na cidade de Barra do Corda
(85.000 habitantes). A plateia reagiu imediatamente com os braços
estendidos. O candidato continuou: “Isso me preocupa, porque os nossos
adversários estão unidos a Aécio Neves, que já disse em todos os jornais
e todas as emissoras de TV que é contra o Bolsa Família".
Filho do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), que orbita o
petismo como representante de José Sarney há anos, o candidato
peemedebista convive com Aécio Neves no Senado. Os dois são colegas. O
peemedebista sabe que o tucano nunca se opôs ao programa – pelo
contrário, é de Aécio a proposta para transformar o programa em política
permanente de Estado. Mas, nos grotões do Brasil, Lobão Filho utiliza
um discurso convenientemente falso. Mesmo um candidato ligado à
oligarquia recorre ao discurso de que os seus concorrentes são inimigos
do povo por causa de uma oposição fictícia ao programa.
Nas últimas semanas, os candidatos a presidente (especialmente Dilma
Rousseff) intensificaram as viagens a São Paulo para tentar conquistar a
simpatia do eleitor paulista. A razão é óbvia: o Estado tem 32 milhões
de votos, o maior número de eleitores entre as unidades da federação.
Mas, na disputa deste ano, também está em jogo um "colégio eleitoral"
muito mais poderoso – e leal: o dos beneficiados pelo Bolsa Família. São
aproximadamente 40 milhões de eleitores, espalhados pelas 14,2 milhões
de famílias que recebem o benefício. Esse grupo tende a votar na
candidata petista com uma fidelidade incomparável. E, claro, essa arma é
utilizada à exaustão Brasil afora, especialmente longe dos holofotes.
Neste ano, a Bahia foi a que mais recebeu repasses do governo federal
no programa Bolsa Família: 1,36 bilhão de reais, segundo o Portal da
Transparência do governo federal. As maiores cidades do estado são as
principais beneficiárias: Salvador, com 113,8 milhões de reais neste
ano, Feira de Santana, com 29,2 milhões de reais, e Vitória da
Conquista, com 21,9 milhões de reais.
Há mais beneficiários do programa na Bahia do que em São Paulo, cuja
população é três vezes vezes maior. Mais em Pernambuco do que em Minas
Gerias. Mais no Maranhão do que no Rio de Janeiro. Isso ajuda a explicar
por que o Nordeste se transformou em uma quase intransponível fortaleza
eleitoral do petismo. Em 2014, até agora, o governo destinou
10,5 bilhões de reais ao programa.
Jailza Barbosa, 33, desempregada, moradora do bairro Cajazeiras, em
Salvador, tem dois filhos, de 10 e 15 anos, e recebe 134 reais por mês.
“O candidato em que eu vou votar é o do partido que me ajuda por causa
do Bolsa Família. Não sei o nome dele, mas já estava com isso na cabeça.
O programa é muito bom porque me ajuda e é a única renda que eu tenho
hoje”, diz.
O número de beneficiários só tem aumentado: em 2004, eram 6,6 milhões
de famílias atendidas. A elevação desde então foi de 215%, muito acima
do crescimento vegetativo na população – e se deu num período em que,
segundo o governo, dezenas de milhões de pesoas deixaram a pobreza. Os
números ajudam a entender o que é fácil de constatar in loco.
Na cidade Central do Maranhão, onde Dilma teve 96% dos votos em 2010,
é difícil encontrar alguém que saiba quais são os adversários da
presidente Dilma Rousseff. E a razão principal para o apoio
incondicional à petista, seja qual for o oponente, é apresentada pelos
próprios eleitores. Como o lavrador Carlos Azevedo: “Para mim, a
candidata é a Dilma. A gente tem medo de tirarem o Bolsa Família”, diz
ele, ao lado da mulher, a dona-de-casa Marinete Viana. Ela diz ter visto
na televisão a informação de que os adversários da presidente
colocariam fim ao programa.
"Não me interessa saber quem são os outros candidatos", declara
Claudilene Melo, que trabalha como doméstica mas também recebe o Bolsa
Família.
O cenário eleitoral deve acentuar a importância do Bolsa Família para
a candidatura de Dilma Rousseff. A trágica morte do candidato Eduardo
Campos e a possível entrada de Marina Silva na disputa devem acentuar,
por um lado, a vantagem de Dilma no Nordeste (onde Campos era mais
popular) e, por outro lado, tirar votos da petista nas grandes cidades
(onde Marina tem um eleitorado mais forte). Como consequência, a
tendência é que o PT se encastele ainda mais no Nordeste, onde estão 52%
dos beneficiados pelo Bolsa Família (a região tem apenas 27,7% da
população brasileira).
"O governo vai se fiar nesses programas de transferência de renda,
porque a gerência macroeconômica é débil, a inflação é crescente, o
crescimento econômicio tem sido pífio", diz o professor Carlos Pereira,
da Fundação Getúlio Vargas.
O efeito do Bolsa Família nas eleições de 2006 e 2010 foi objeto da
análise de pesquisadores do Instituto de Ciência Política da
Universidade de Brasília (UnB). Conclusão: havia uma forte correlação
entre o voto no PT e a participação no programa do governo.
Independentemente da postura dos adversários de Dilma Rousseff, a
maior parte dos eleitores que recebem o Bolsa Família não arrisca apoiar
aquilo que veem como uma aposta duvidosa. Para o jogo democrático, o
efeito é desastroso. Se o único critério na escolha do candidato é o
Bolsa Família, o eleitor vota sem levar em conta outros temas
essenciais, como as políticas para saúde, segurança e o combate à
corrupção. “É como se nós tivéssemos voltando para o século XIX, com os
currais eleitorais fechados”, diz o professor José Matias-Pereira, da
UnB.
Como o número de beneficiários do Bolsa Família cresce continuamente,
é cada vez maior o contingente de eleitores que escolhe seu candidato
presidencial apenas com base no receio de perder o pagamento mensal. “O
coronel local está sendo substituído pelo coronel federal. Mas o padrão é
o mesmo: o modelo patrimonialista onde indivíduo usa os bens do estado
para se beneficiar politica ou em benefício próprio”, afirma o professor
da UnB.
Fonte: VEJA